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Análise sobre a Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro

MJAB Admin 17.02.18

16 de fevereiro de 2018

Pela primeira vez desde a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, um Presidente da República decretou intervenção federal a um estado da federação, amparado pelo inciso X do artigo 84 da CF, exercendo assim a competência privativa definida neste dispositivo.

A intervenção no Estado do Rio de Janeiro, publicada hoje, 16/02, por meio do Decreto nº 9.288/18, tem por objetivo pôr termo a grave comprometimento da ordem pública, conforme art. 34, inciso III, da Carta de 1988. Assim, o papel que será desempenhado pelo Governo Federal, por meio do respectivo interventor, estará restrito às áreas e ações sob a competência estadual que estejam ligadas à segurança pública.

Além de delimitar o objeto e amplitude, o Presidente definiu o período da intervenção, até 31 de dezembro de 2018, nomeando como interventor o General de Exército Walter Souza Braga Netto e ainda estabelecendo as condições de execução das ações.
Nesse cenário, a medida terá vigência a partir da publicação do decreto (16/02), devendo ser submetida à apreciação do Congresso Nacional no prazo de 24 horas, para ser acatada ou rejeitada, conforme disposto no artigo 36, §1º, da CF.

1- Da Possibilidade de Aprovação da PEC da Reforma da Presidência Durante o Período

A Constituição Federal, no art. 60, §1º, estabelece que, na vigência de intervenção federal, o texto da Carta Magna não poderá ser emendado. Este ponto tem gerado debates e preocupação para o Governo, uma vez que alguns temas relevantes para a agenda legislativa de 2018 envolvem a aprovação de emendas à Constituição, principalmente a Reforma da Previdência.

Para análise jurídica do tema, é importante distinguir a proposta de emenda constitucional (PEC) da emenda constitucional (EC). Enquanto a PEC é o texto que tramita nas duas Casas do Congresso Nacional como proposição legislativa, por sua vez, a EC é o texto final aprovado pelas duas Casas Legislativas, em dois turnos de votação em cada Casa, por três quintos dos parlamentares (art. 60, §2º, da CF), a ser promulgado como alteração constitucional propriamente dita.

Em razão da distinção conceitual entre a proposta (PEC) e a emenda (EC), nossa interpretação é que, durante a vigência de uma intervenção federal, a Constituição veda a promulgação do texto final aprovado pelas Casas (art. 60, §1º), e não a possibilidade de avanço da tramitação da proposição legislativa, desde que, reitera-se, não haja a promulgação da emenda constitucional. No caso específico da Reforma da Previdência, este avanço de tramitação também é possível porque o tema não está entre aqueles que constituem as cláusulas pétreas, cuja apreciação é vedada por meio de PEC (art. 60, §4º, da CF).

Dessa forma, nosso entendimento à luz da Constituição é de que, no período da intervenção, o Congresso poderá deliberar sobre qualquer proposta de emenda constitucional que esteja em tramitação nas Casas, ou que lhes venha a ser submetida à apreciação, desde que não trate das referidas cláusulas pétreas, restringindo-se tal aprovação até a etapa anterior à promulgação.

2 – Da Possibilidade de Suspensão da Intervenção Federal para Aprovação da Reforma

Outro ponto que tem gerado controvérsias é a possibilidade de o Presidente da República suspender a intervenção federal durante o prazo de vigência estabelecido pelo decreto.

Em entrevista coletiva à impressa na tarde de 16/02, o Presidente Michel Temer, referindo-se à PEC da Reforma da Previdência, declarou o seguinte:

“Quando ela estiver para ser votada (e naturalmente isto segundo avaliação das Casas Legislativas), eu farei cessar a intervenção. No instante em que se verifique, segundo os critérios das Casas Legislativas, que há condições para votação, reitero, eu farei cessar a intervenção”.

Tomando-se a fala do Presidente como referência, de acordo com o texto constitucional, a intervenção federal deve terminar quando “cessados os motivos” (art. 36, § 4º). Logo, para este encerramento, a expectativa é que reste verificado e constatado o restabelecimento mínimo da ordem pública defendida na Constituição.

Por outro lado, ainda com base no pronunciamento, é possível cogitar que o Presidente tenha a intenção de não cessar, e sim, suspender a condição de intervenção federal, a fim de viabilizar a votação da Reforma da Previdência, em harmonia com o texto constitucional. Nesse viés, embora não haja previsão legal para esta suspensão da intervenção, como dito anteriormente, é possível encontrar pelo menos um registro histórico em que isto aconteceu. Trata-se de votação ocorrida em 17 de dezembro de 1935, em que “a Câmara aprovou três propostas em regime de urgência pelo governo”, na qual “ o estado de sítio foi momentaneamente suspenso no dia da votação, para não se ferir o artigo 178 da Carta Magna [de 1934], que vedava qualquer reforma no texto constitucional durante a vigência de períodos de exceção ” (NETO, Lira. Getúlio 1930-1945 – Do Governo Provisório a Ditadura Do Estado Novo. Companhia das Letras. São Paulo/SP. 2013).

Nessas circunstâncias, quanto a fazer cessar (definitivamente) a intervenção, em nossa ótica, o Presidente deverá ter compreendido como restabelecida a ordem pública, assim como seu grave comprometimento, como dito, nos termos do art. 36, §4º, da CF, o que, por óbvio, possibilitará a promulgação da emenda constitucional da Reforma da Previdência.
Por outro lado, caso ainda persistam os motivos da intervenção e o Presidente pretenda avançar com a promulgação, poderá, em tese, suspender (momentaneamente) o estado de exceção, tendo em vista o precedente histórico mencionado, restabelecendo o prazo da medida excepcional.

Por esses motivos, a nosso ver, não há qualquer impedimento constitucional para que haja avanços na tramitação da PEC da Previdência durante a vigência da intervenção, inclusive com respectivas votações como demonstrado acima.