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Acusação contra o Presidente da República

MJAB 28.06.17

Mais um capítulo da crise institucional e política enfrentada pelo Brasil
teve início na última segunda-feira, 26/06/2017, com a apresentação da
denúncia pelo Procurador-Geral da República (“PGR”), Rodrigo Janot, contra
o Presidente da República, Michel Temer.

É a primeira vez que um Presidente da República é acusado pelo crime de
corrupção durante o exercício de seu mandato. Pelo atípico cenário
presenciado, buscamos amparo constitucional e legal para a descrição do
procedimento a ser adotado pelos Poderes Judiciário (Supremo Tribunal
Federal – “STF”) e Legislativo (Câmara dos Deputados) a partir de agora.

1. A Denúncia

Na atual denúncia apresentada pelo Procurador-Geral da República, o
Presidente da República é implicado no crime de corrupção passiva (art.
317 do Código Penal) e poderá, também, ter que pagar uma indenização no
valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), a título de danos morais
coletivos.

Para o processamento da denúncia, a peça inicial solicita que sejam
concedidos 15 (quinze) dias para resposta do acusado e, após isto, 5
(cinco) dias para que a própria PGR se manifeste caso sejam apresentados
novos documentos (arts. 4o e 5o da Lei no 8.038/1990). Apenas após
cumpridos estes prazos, o PGR pede que a denúncia seja remetida à Câmara
dos Deputados para análise da admissão ou não da acusação, conforme
determina o art. 86 da Constituição Federal.

O Ministro Edson Fachin, relator do caso no Supremo Tribunal Federal
(STF), contrariamente ao pedido do PGR, decidiu enviar o processo
diretamente à Câmara dos Deputados para decisão quanto à possibilidade de
instauração ou não do processo penal no Tribunal. Apenas após a autorização pelo Poder Legislativo, será aberto prazo para a defesa técnico-jurídica
no STF.

2. Na Câmara dos Deputados

Antes da instauração do processo no STF contra o Presidente por crime
comum, neste caso, corrupção passiva, a Câmara dos Deputados deverá
realizar um juízo de admissibilidade (art. 86 da Constituição Federal e

Capítulo VI do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – “RICD”) – trata-
se de uma análise por parte de uma arena política antes do início do trâmite jurisdicional.

Recebida a solicitação do STF, o Presidente da Casa, Deputado Rodrigo
Maia (DEM/RJ), notificará o Presidente da República quanto ao recebimento
da denúncia criminal e encaminhará o pedido de autorização para julgamento
do acusado à Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (“CCJC”) da
Casa (art. 217 do RICD).

Na Comissão, a defesa terá prazo máximo de 10 (dez) sessões do Plenário
para se manifestar e, após o recebimento da manifestação final do acusado,
será iniciado o prazo de 5 (cinco) sessões para que a Comissão profira
parecer sobre a matéria, concluindo pelo deferimento ou indeferimento do
pedido de autorização para julgamento (art. 217, incisos I e II, do RICD).
Uma vez aprovado pela CCJC, o parecer deverá ser lido e incluído na
Ordem do Dia para votação em Plenário, na sessão seguinte à de seu
recebimento pela Mesa da Câmara dos Deputados.

2.1. Admissão ou não da Acusação pela Câmara dos Deputados

Após a discussão do tema pelo Plenário, o parecer da Comissão será
submetido à votação nominal, isto é, com identificação subjetiva e objetiva
dos votos.

Na hipótese de ser aprovada por 2/3 (dois terços) dos membros da Casa
(342 votos), a acusação será admitida, pela existência de elementos que
indiquem a prática do crime, de modo a autorizar a instauração do processo
no STF (art. 217, incisos III, IV, e §§ 1o e 2o do RICD e art. 86 da
Constituição Federal).

Por outro lado, no caso de rejeição pelo Plenário, Michel Temer deverá
permanecer no cargo de Presidente da República e o processo, a nosso ver,
à luz das normas constitucionais, será suspenso no STF. Sendo assim, a
denúncia somente poderá ser retomada no final de seu mandato.

3. No Supremo Tribunal Federal

De volta ao STF, no caso de ser admitida a acusação pela Câmara, será
concedido o prazo para apresentação de resposta do acusado. Em seguida, o
Plenário do Tribunal será responsável por analisar o recebimento ou não
da denúncia. A avaliação realizada pelo Tribunal, diferentemente da
anterior, disporá sobre o mérito das acusações, julgando se houve ou não
a efetiva prática de corrupção passiva.

Caso a decisão seja no sentido de se receber a denúncia, o Presidente
da República se tornará réu na ação penal e será afastado por 180 (cento
e oitenta dias), prazo este para o STF concluir o julgamento do caso.
Neste tempo, assumirá o cargo o sucessor na ordem constitucional, ou seja,
o Presidente da Câmara dos Deputados, Dep. Rodrigo Maia.

Findo o prazo de afastamento sem que o Tribunal tenha decidido sobre a
ação penal, o Presidente retornará ao cargo e assim permanecerá até a
efetiva conclusão do processo ou de seu mandato, o que ocorrer primeiro.
Neste ponto, vale ressaltar que a prisão do Presidente somente poderá
acontecer caso seja proferida uma sentença condenatória (art. 86, § 3o,
da Constituição Federal), com a consequente perda de mandato. A eventual
absolvição na ação penal, por outro lado, permitirá a conclusão do mandato.

4. A Consequente Convocação de Eleições Indiretas

Caso ocorra a perda de mandato, a Constituição prevê a realização de
eleições indiretas no prazo de 30 (trinta) dias após a vacância do cargo
(art. 81, §1o, da Constituição Federal). Para isto, o Presidente do Senado
Federal convocará o pleito, procedendo-se ao processo de votação para
escolha do novo Presidente pelo Congresso Nacional (Lei no 4.321/1964).

5. Análise do Cenário e Possibilidades

Como tem sido divulgado, a Procuradoria-Geral da República parece dispor
de elementos para apresentar outras denúncias contra o Presidente, com
acusações de obstrução da justiça e participação em organização criminosa,
de forma paralela à imputação de corrupção passiva.

Com isto, haveria a possibilidade de uma fragmentação das denúncias e
da análise dos delitos cogitados, o que poderia atrasar a tramitação,
contrariando a linha de defesa do Presidente Temer. Para ele, parece ser
interessante que as acusações sejam analisadas de forma ágil e unificada,
a fim de evitar que novos fatos e delações possam implicá-lo ainda mais
no decorrer do procedimento.

Além disso, as circunstâncias atuais indicam que o Presidente da
República ainda conta com o apoio da maioria do Congresso Nacional, o que pode lhe favorecer nas votações na Câmara dos Deputados. A necessidade de
preservação do apoio de parlamentares pode proporcionar uma rediscussão e
renegociação das reformas que estão em trâmite no Congresso Nacional, como
por exemplo o fim do imposto sindical.

Novas acusações, atraso na tramitação e separação de análises e votações
podem provocar perda de apoio da base aliada ao Presidente, o que, ao
longo do tempo, pode ser decisivo no desfecho destes processos.

Estes fatores também podem ser determinantes para a escolha, em especial
da Câmara dos Deputados, sobre os rumos do País, decidindo-se sobre (i) a
permanência do Presidente Temer; (ii) a assunção do Deputado Rodrigo Maia
(ainda que temporária); ou (iii) a designação de um novo Presidente da
República, entre nomes ainda incertos no cenário político.